sábado, 2 de julho de 2011

Pedro,

"Você lembra uma vez em que a gente era bem pequeno, acho que o Ezequiel nem tinha nascido ou tinha só alguns meses, em que choveu tanto que caiu a energia? Estava ventando muito lá fora, já era noite e nós deveríamos estar dormindo e, por isso, mamãe não veio com a lanterna ou algumas velas. Lembra o que a gente estava fazendo naquela noite? Cada um em sua cama, fingíamos que estávamos em barcos perdidos no oceano e que o lençol era a nossa única ligação. A chuva tamborilando na janela era um incentivo, mas quando o disjuntor estourou, o barulho que tudo fez lá fora e o fim das luzes foram motivos para você soltar um gritinho abafado, nada o suficiente para acordar a mamãe ou, pior, o papai. Eu disse que deveríamos dormir e você concordou, mas nenhum dos dois seguiu o conselho. Enfiei-me inteiro debaixo do cobertor. Os trovões que ressoavam lá fora e a luz de cada raio me faziam tremer. “Homem ao mar!”, você gritou de repente, “Socorro, vou me afogar!”. Rindo, joguei o lençol para você e te puxei até a minha cama. Só então conseguimos dormir, você agarrado em meu braço e eu sentindo você quentinho e calmo.
Não está chovendo agora, pelo contrário, o tempo está bastante seco e o barro vermelho se gruda em sua roupa e pele em qualquer lugar que se vá, mas queria voltar àquela noite, onde qualquer medo podia se resolver com você dormir em minha cama. Era raro que você viesse – você era um menininho corajoso – e por isso mesmo havia noites, principalmente quando chovia lá fora, que eu deseja que você sentisse medo, só para vir aplacar o meu. Quando penso em você, me sinto egoísta. Sempre te quis do jeito que fosse melhor para mim, mas você sempre foi melhor do que eu podia pedir, mesmo que não para mim."

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