quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Só valia se fosse escondido

Se me perguntarem por que comecei a fumar, terei de responder com sinceridade que não sei. Não foi por influência dos amigos, não tive pais fumantes ou, em hipótese alguma, me deixei levar por filmes ou velhos programas de TV. A verdade é que, bem antes de colocar o primeiro cigarro na boca, já tinha a imagem do glamour-cult meio oculto que une o cigarro à melancólica intelectualidade artística. Mas não era só isso. Queria morrer mais rápido, projeto estranho de uma adolescência conturbada. Nem mesmo a enorme vontade de deixar de ser jovem e cheio de hormônios incontroláveis superava meu terrível medo de tornar-me velho. E, nesse meio, perdi todo o espaço para aquela sensação tão fresca e jovem de ter vontade de viver.
Não que eu tivesse uma vida ruim, nada assim. Cresci numa família bastante compreensiva que me amava, com bastante dinheiro e alguns amigos que, nunca entendi bem o motivo, me queriam e respeitavam. Acho que o principal motivo é que queria deixar de ser o "garoto perfeito". Havia muitas apostas em meu futuro brilhante. Cobranças esquizofrênicas que vinham mais de mim do que de qualquer outro.
Acredito que o que iniciou o meu pseudo-vício subversivo foi um isqueiro. Um desses de aço, feitos para durar uma vida. Era branco com uma estrela azul. Lindo. Custou-me bem mais do que eu deveria gastar em algo que era, teoricamente, apenas um enfeite, um brinquedo. Então tive que experimentá-lo. Uma vontade irreprimível me levou até uma banca em que, sabia, não encontraria nenhum conhecido e comprei o cigarro que me pareceu mais elegante. Era preciso começar em grande estilo. O homem da banca, provavelmente já acostumado com jovens como eu e seus estúpidos vícios, deve ter achado engraçado minha dúvida e meu nervosismo  Meus dedos tremiam e por pouco não me queimei enquanto acendia meu primeiro cigarro. E dava início a um vício.
E então era ruas escuras, cantos perdidos de parques, praças distantes. Ninguém poderia descobrir. Isso acabaria com todo o meu discurso sobre essa juventude perdida e tiraria qualquer crédito que ainda tivesse comigo mesmo.
Só valia se fosse escondido.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

“O senhor vai consertar o meu irmão?”

“O senhor vai consertar o meu irmão?”, questionou a menina de uns 6, 7 anos máximo.
Omissão, mentira... Várias opções e artifícios que já lhe vinham à mente. Todos, em teoria, eufemismos de fácil execução. E Dimitri era, provavelmente, o mais indicado para usar qualquer um deles. Sabia o quanto uma criança poderia ser sensível e perceptiva aos mínimos detalhes de uma fala ou franzir de cenho. 
Entretanto, um suspiro no tempo errado ou uma pausa inadequada entre declarações e... pronto. Estaria feito o estrago.
Cuidadosamente, chegou mais perto da pequena e desceu até encostar os joelhos no chão, inclinando-se um pouco para olhá-lá bem nos olhos castanhos, brilhantes, quase vítreos de tão arregalados.Agora, mais do que nunca, sentia o peso da profissão nos ombros, arqueando-o para frente, cansado. Anos de estudo, suor e dedicação... Mas no final era aquele momento, e nenhum outro antes dele, que lhe fazia compreender as implicações do elegante diploma jogado no canto de seu quarto. Talvez por isso nunca houvesse ousado sequer emoldurar o tal pedaço de papel...
Respirou fundo. Sem perceber, as palavras fluindo de seus lábios, ternas como veludo.
Observou a menina empertigar-se. Os últimos segundos pareciam tê-la envelhecido ao ponto de ter rugas e fios brancos.

"É um caso delicado..."
Se ouviu dizer, enquanto ela balançava levemente a cabeça, compreendendo até mesmo o que não lhe era dito.
“Estamos fazendo o possível...”
Céus! Era tão nova ainda... Nova demais pra ter que lidar com vida e morte, pensou Dimitri, atordoado, tentando conter-se de tomar para si a dor que o encarava fixamente em um vestido rosa puído.
A jovem, com ares de atriz prestes à encenar um grande papel, soltou-se do agarre silencioso que a mantivera ali, escutando-o, e seguiu para o quarto no qual seu irmão repousava.
Dimitri levantou. Em seu rosto o reflexo das lágrimas que pendiam no rosto da menina, sem nunca cair, e nos lábios, o sussurro da frase que ela não quis ouvir...
"... mas nem sempre é o suficiente."