segunda-feira, 30 de setembro de 2013

De-va-gar

Acendeu o cigarro de-va-gar. Seu corpo, sua pele morena, tinha certa luz nova sob a luz fraca da luminário. Por entre a fumaça, procurava entender o que era tudo aquilo. Era como se seu corpo não fosse mais seu exatamente por ser só seu. "Só". Como odiava essa palavra. Porque ela era "só" uma moça de cidade pequena que "só" sabia do seu mundinho. Foda-se. Ela não era mais "só" nada. Ela era tudo aquilo, a fumaça, o barulho, as luzes. A maldita cidade pequena ficara pra trás e ela tinha um mundo inteiro pela frente. Ela tinha cigarros e corpos e beijos e amores pela frente. Ela tinha uma carreira, um futuro, um salto a diante. Ela não era "só" dele, ainda mais agora que ele não era só dela. Ele fora "pro mundo", buscar uma "nova vida". Então ele que fosse encontrar a "nova vida" nas pernas de uma prostitura velha. Ela tinha o mundo dela a explorar, que era totalmente novo. Se ele fora, ela iria também. Ela não era mais "só" nada.
Mas seu corpo era só aquilo. E "aquilo" sentia muito frio quando estava sozinho.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Laura

Laura foi como uma maré em minha vida.
Indo e voltando sem muita ordem, aparecia quando queria e desaparecia quase que por hábito, creio eu. Mas, na verdade, tudo que sei dela é puro “achismo”, pura vontade de saber sabe-se lá sobre o quê.
Quando a maré sobe, é como se o sol brilhasse, não mais forte, mas em neon.
A vida parece mais louca quando a maré sobe. E, de certa forma, é.
Laura traz consigo a inquietude de um mar de ressaca, e te afoga nele sem qualquer pudor ou pausa para tomar fôlego.
E quando se vai, assim, num repente, a súbita baixa de maré assusta. Pra onde vai a água? Pra onde foi o mar!?! Parte é falta. A outra, alívio triste. O ar volta normalmente aos pulmões, em uma rotina que, de tão comum, não basta mais.
Quando o nível do mar diminui, tudo se mostra exatamente como é, em cores desbotadas e úmidas no mero resquício de areia com cascalho.
Tudo muito trágico e levado a extremos.
Pois é esse o tipo de caos e desordem que a sua gargalhada traz.
Laura é da imaginação. Sua magia está na irrealidade do mundo de Aristóteles, porque é único lugar em que posso arriscar e fingir entendê-la, compreender e inventar razões (in)existentes para o que é calculadamente despropositado
É minha mania de teorizar e a sua mania de rir de mim...

Porque, afinal, que graça tem um sol nublado?

domingo, 8 de setembro de 2013

Banho

"A água caía e escorria por seu rosto. Mas não estava chorando. Não chorava porque não era fraco. Sempre resolveu sua vida sozinho e muito bem, obrigado. Sempre tivera o esmero, inclusive, de livrar-se de qualquer pessoa ou coisa que ameaçasse o conforto da sua independência. Ele era o seu próprio tripé. Não precisava de ninguém. Tinha a si mesmo e fora o bastante durante todos esses anos. Porque, então, se sentia tão... perdido? De repente parecia assustadoramente solto, em uma estrada da qual nunca ouvira falar, sem carro ou GPS.
Dizer que estava entorpecido parecia simples demais. O calor frio da água na pele não alivia a dor e o crescente incomodo físico de ter a mente tão cheia ao ponto de estar vazia.  

Era como se dentro do caixão fechado de sua mãe tivesse ficado presa a parte dele que seguraria o choro e seguiria em frente com seus afazeres do dia-a-dia. Tentou sorrir. A parte que ficara pra trás era tão trêmula e instável que sequer conseguia forças para fechar uma torneira... 
Tudo ao redor formigava, envolvendo problemas, sem jamais tocá-los. Pairava uma perspectiva um tanto quanto trágica - e real - de que não tinham solução. E por mais que precisasse respirar, parecia muito mais fácil apenas permanecer ali, parado, esperando que a água do mundo se esvaísse pelo ralo do banheiro com o que quer que tivesse restado dele e do que pensou ser. "