quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A boate lotada era um alívio.

Ali, sozinha, no meio de toda aquela gente, podia finalmente respirar. Dançando ao ritmo da música estridente que fluía das enormes caixas de som. O alívio era não conseguir pensar. Sem muito esforço era capaz de dispersar os pensamentos sem se fixar em nada ou ninguém. 

Fechou olhos. Mas logo os abriu. Precisava ver o que acontecia a sua falta. As pessoas dançando, se beijando... Assim como ela mesma, alheias ao mundo do lado de fora. Como se os problemas se limitassem à fila do bar ou à cerveja, tão quente quanto a temperatura que o ar condicionado não conseguia dissimular. 

O máximo que se permitia pensar - mais por hábito do que por escolha - era na tal da bagagem que cada um dos assíduos frequentadores do clube noturno trazia consigo. Haviam rostos novos, claro. Mas junto sempre haviam pessoas como ela, fugitivas oficiais. Seres humanos acovardados que se refugiam sempre no mesmo confortável esconderijo e, ainda sim, mantendo-se anônimas ao transitar pelas pistas de dança. Às vezes, integrando-se ao ambiente, sequer eram vistas. 

Liberdade. Sim, o estar ali era ser livre de julgamentos, de família, de responsabilidade, da ética e dos bons costumes.... No meio daquela horda de estranhos tão conhecidos pouco importava seu nome, sua idade, seu endereço ou seu poder aquisitivo. No dia seguinte o mundo poderia ruir e se tornar pior do que já era, mas naquele momento o foco era a dança, a música e o esquecimento. 

Porque o esquecimento não dói a quem esquece.

domingo, 20 de outubro de 2013

Banco de Praça

Sentado num banco
De rua
De praça da esquina
Me sinto só.
É de frio,
mas eu gosto daqui.
É tranquilo aqui fora
É tranquilo quando você vai embora
Vejo tudo em perspectivas infinitas
Tantas
que eu não entendo.
Voam em traços de preto que
de tão cinzas
mal se vê no branco.
Escuta o som que não pára
ressoando nas paredes que não tem fim.
É o frio...
mas eu gosto daqui.
Não me sinto tão só 
Nem tão louca
Enquanto as mãos são rigidez 
e a alma escurece
Abandonada de um calor qualquer
Sentado em um banco de praça
No infinito de contornos descoloridos.
Um frio gelado.
As vozes abafadas, vindas de longe.
Seu cheiro em mim
Fresco na memória
Um gosto azedo...
Levemente adocicado
nas contradições tendenciosas do tempo.
Horas me vem delicado,
Meio triste, cabreiro.
Outras aparece, assim,
Cara de quem fez besteira.
Há ainda o você
Amargo e despreocupado.
Que atravessa o sinal
sem olhar pro lado.
Tratando a vida
Como pedra 
Que se chuta na rua
Até estar longe demais. 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

De-va-gar

Acendeu o cigarro de-va-gar. Seu corpo, sua pele morena, tinha certa luz nova sob a luz fraca da luminário. Por entre a fumaça, procurava entender o que era tudo aquilo. Era como se seu corpo não fosse mais seu exatamente por ser só seu. "Só". Como odiava essa palavra. Porque ela era "só" uma moça de cidade pequena que "só" sabia do seu mundinho. Foda-se. Ela não era mais "só" nada. Ela era tudo aquilo, a fumaça, o barulho, as luzes. A maldita cidade pequena ficara pra trás e ela tinha um mundo inteiro pela frente. Ela tinha cigarros e corpos e beijos e amores pela frente. Ela tinha uma carreira, um futuro, um salto a diante. Ela não era "só" dele, ainda mais agora que ele não era só dela. Ele fora "pro mundo", buscar uma "nova vida". Então ele que fosse encontrar a "nova vida" nas pernas de uma prostitura velha. Ela tinha o mundo dela a explorar, que era totalmente novo. Se ele fora, ela iria também. Ela não era mais "só" nada.
Mas seu corpo era só aquilo. E "aquilo" sentia muito frio quando estava sozinho.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Laura

Laura foi como uma maré em minha vida.
Indo e voltando sem muita ordem, aparecia quando queria e desaparecia quase que por hábito, creio eu. Mas, na verdade, tudo que sei dela é puro “achismo”, pura vontade de saber sabe-se lá sobre o quê.
Quando a maré sobe, é como se o sol brilhasse, não mais forte, mas em neon.
A vida parece mais louca quando a maré sobe. E, de certa forma, é.
Laura traz consigo a inquietude de um mar de ressaca, e te afoga nele sem qualquer pudor ou pausa para tomar fôlego.
E quando se vai, assim, num repente, a súbita baixa de maré assusta. Pra onde vai a água? Pra onde foi o mar!?! Parte é falta. A outra, alívio triste. O ar volta normalmente aos pulmões, em uma rotina que, de tão comum, não basta mais.
Quando o nível do mar diminui, tudo se mostra exatamente como é, em cores desbotadas e úmidas no mero resquício de areia com cascalho.
Tudo muito trágico e levado a extremos.
Pois é esse o tipo de caos e desordem que a sua gargalhada traz.
Laura é da imaginação. Sua magia está na irrealidade do mundo de Aristóteles, porque é único lugar em que posso arriscar e fingir entendê-la, compreender e inventar razões (in)existentes para o que é calculadamente despropositado
É minha mania de teorizar e a sua mania de rir de mim...

Porque, afinal, que graça tem um sol nublado?

domingo, 8 de setembro de 2013

Banho

"A água caía e escorria por seu rosto. Mas não estava chorando. Não chorava porque não era fraco. Sempre resolveu sua vida sozinho e muito bem, obrigado. Sempre tivera o esmero, inclusive, de livrar-se de qualquer pessoa ou coisa que ameaçasse o conforto da sua independência. Ele era o seu próprio tripé. Não precisava de ninguém. Tinha a si mesmo e fora o bastante durante todos esses anos. Porque, então, se sentia tão... perdido? De repente parecia assustadoramente solto, em uma estrada da qual nunca ouvira falar, sem carro ou GPS.
Dizer que estava entorpecido parecia simples demais. O calor frio da água na pele não alivia a dor e o crescente incomodo físico de ter a mente tão cheia ao ponto de estar vazia.  

Era como se dentro do caixão fechado de sua mãe tivesse ficado presa a parte dele que seguraria o choro e seguiria em frente com seus afazeres do dia-a-dia. Tentou sorrir. A parte que ficara pra trás era tão trêmula e instável que sequer conseguia forças para fechar uma torneira... 
Tudo ao redor formigava, envolvendo problemas, sem jamais tocá-los. Pairava uma perspectiva um tanto quanto trágica - e real - de que não tinham solução. E por mais que precisasse respirar, parecia muito mais fácil apenas permanecer ali, parado, esperando que a água do mundo se esvaísse pelo ralo do banheiro com o que quer que tivesse restado dele e do que pensou ser. "

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sobre um café

Vejo rostos nas ruas,
vidas que vem,
passam,
vão...

Crio suas histórias,
mas de que me valem
histórias assim?
Só contar as suas vidas
não é mais nada,
não importa pra mim.

Quero saber
o sabor
de suas entranhas
seus dentes, olhos,
Destinos.
Quero saber o que sentem
quando sentam de noite
sozinhos.

Quero suas sensações
seu tato, sua cor.
Como vêem, o que lembra
cada som, cada odor.

domingo, 7 de julho de 2013

“Tenho fome...”

Uma vontade doida de ir e vir, de poder falar e decidir.

Me olham como se isso fosse estranho. Enquanto eu olho de volta sem entender, achando interessante que para eles soe tão peculiar, o que dentro de mim parece ser tão normal.

Talvez no meu mundo tudo fosse mais fácil. Ou, talvez, no mundo deles é que fosse realmente tudo mais difícil...

“Tenho fome...”

As lâmpadas piscando parecem insanidade. São os meus olhos. Parece que não funcionam à noite, vejo ainda pior do que de dia. São sombras nebulosas, como óculos com lentes de algodão doce. Pegajosas e borradas. Algo como olhar pra fora de um avião e só ver nuvens brancas ofuscadas pelo sol, sem saber bem onde termina uma e começa outra, se é que alguma delas tem fim.

“Tenho fome...”

Nesse emaranhado de algodões, nuvens e luzes apagando e acendendo, imagino se não temos, afinal, as mesmas dificuldades e, por conseguinte, as mesmas vontades.

Me dizem que fome é de comida. Repetem que é tudo loucura. Que gente direita não sente fome de ser que nem borboleta ou dente-de-leão.

Deve ser a neblina, não devem estar enxergando direito.

Lavo o rosto, esfrego... 

Quem sabe não melhora? 

Não. Nem assim dá jeito... Afinal, muito estranho isso de não poder ter opinião.

domingo, 19 de maio de 2013

Malandro Exemplar


(Não) Há razão
para se preocupar.
A melodia segue
desde que o malandro seja exemplar.
Observa, sente o samba.
Dança, mas nada satisfaz.
“Deveria ter lustrado os sapatos”,
pensa o coitado.
Pendura a conta,
balanceia,
quase cai.
O sorriso no rosto...
O chapéu desgastado...
Quase não lhe servem mais.
Em sua bossa desajeitada
elegante e despropositada,
sofre a dor pelos cantos,
Vielas escuras, madrugadas
gente estranha.
Quer achar o que não se pode procurar.
Mal sabe ele...
Ninguém o alertara.
Mas os arcos são sombras distantes,
fotografias que não voltam mais.
Piscou, num instante,
e não tinha mais nada.
Sem vida, nem navalha pra afiar.
Limpa a poeira da pose,
quebra o copo,
é expulso do bar.
Já era,
O malandro exemplar.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Morte Súbita


São épocas longínquas

que ainda assim
escolhem me fazer lembrar
detalhe algum lhes escapa.
Nada falta. Só parece faltar.
Nos enganam,
surgem mansas
desamparadas,
como quem não quer
Nada.
Mas quer.
Surgem sorrateiras
por debaixo da escada.
Não percebo.
Ela ou ele? Importa?
Vai saber....
Se esconde.
Vem e, num repente,
(já) tomou tudo.
Até mesmo o que não poderia dar.
Se esqueceu das coisas,
mas não pode deixar de lembrar.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

De repente

E de repente
o mar é grande
maior do que jamais
fora antes

Se chegar perto
me chama.
Diz que me quer
em suas entranhas

"Se for tecido, insisto, jamais hei de ser retalho."


Na próxima vida - já que nessa não rola - quero ser algo que não precise de conserto. Uma dessas coisas 100% perfeitas ou irremediavelmente alquebradas, do tipo tão errado que mais vale à pena comprar outro do que pagar o reparo.

Vovó que me desculpe! Essa mania de remendos nunca foi a minha, e nem há de se tornar. Seus casacos tricotados à mão, claro, eu guardo com carinho, sem remendos ou quaisquer costuras adicionais. Se gosto de abraçá-los e me esquentar neles durante as noites frias é porque estão - fora um leve desgaste e algumas peripécias de traças - do mesmo jeito em que me foram entregues, recém-produzidos, há pouco mais de 24 anos e 7 meses atrás...

Mas, quando perguntarem, sim, admito, e respondo que sou mesmo é um típico produto dessa sociedade capitalista-consumista, que vê mais sentido em jogar fora do que reciclar.

Pois se quebro um pedaço, ou racho e arranho o que for, hei de declarar-me logo esgotada! Boa pra nada, nem pra sobra, nem pra penhor.

Se for tecido, insisto, jamais hei de ser retalho.

domingo, 21 de abril de 2013

"Bom dia, o que vai querer?"

Uma vez lera - num desses anúncios baratos de autoajuda - que o primeiro passo para a “felicidade” seria tornar-se o personagem principal de sua própria história.

“Senhor?!”


Riu, mais para não chorar das próprias desgraças do que por humor. Via-se tão incapaz quanto o primo distante (do tio) do personagem secundário da história. Aquele que não é mencionado nem quando o autor não sabe mais sobre o que, ou quem, falar.

“Com licença, o senhor já escolheu o que vai querer?!”

Talvez felicidade fosse mais sobre Física.... Em algum momento, há muitos anos atrás, lembrava vagamente de ouvir um professor falar sobre ‘uma lei aí’, dessas muito importantes e relevantes ao cotidiano e ‘coisa e tal’.... Um objeto em inércia tende sempre a permanecer na inércia. Ou algo parecido...

“Senhor, se não vai fazer o pedido, terei que pedir que se afaste do caixa para que eu atenda o próximo cliente.”

Mas, ali estava: completamente inerte, preso na piedade auto-depreciativa do conhecimento, na angústia de não saber sequer que tipo de café escolher.
Olhei para a enorme fila de rostos irritados atrás de mim, estranhando a presença de pessoas a minha volta. Assustado, tirei uma nota amaçada do bolso traseiro da calça jeans.

“Um café comum, por favor. Médio.”

quarta-feira, 20 de março de 2013

Lá? Não, ali.


Sabe aquela estrela ali?
Aquela, sim, ainda brilha.
Parada,
sobrevivendo de glórias longínquas,
Meias conquistas,
(sempre) prestes a acontecer,
mas nunca prestes a se realizar.

Sabe aquela menina ali?
Sim, aquela no canto,
que sorri
e acena para os que estão passando.

Espera que seja apenas um sorriso,
um leve balançar de mãos,
o que se deseja dela.
Convencendo a si mesma
que o que basta aos outros
deve bastar também à ela.
Sabe aquele avô ali?
Aquele mesmo,
sentado no banquinho de madeira.
Vendo sem ser visto,
preocupado em conhecer os netos
que sequer chegariam a conhecê-lo...

Olha a menina,
agarrando sua juventude.
Nutrindo-se das sombras
em um futuro invisível.
Como o menino do passado,
correndo atrás de papagaios ao vento.

Sabe o Vento?
- Aquele?
Não, o outro,
que já passou.
Que veio forte
e assoviou alto.
Bagunçou os cabelos da menina
e depois partiu...
Levando desde a poeira
à memória do avô.

terça-feira, 5 de março de 2013

Tudo seria diferente. Mas não é.

Deixou-se cair no sofá e encarou as sombras na parede branca. Fingindo interesse arquitetônico, quando na verdade tentava apenas adiar o fim do que já havia terminado.
Observei-o atentamente. Em sua face, uma agonia contida. O desespero de quem sofre, sem saber o que fazer. Ou melhor, de quem sabe exatamente o que deve fazer.
Me lembrava as obras de arte... uma expressão em mármore esculpida profundamente na memória. Estava mais belo e sofrido do que qualquer outra ocasião em que o tenha visto.
Seus segredos me atraíam como a descoberta desperta a um arqueólogo. Nunca, entretanto, ousei tentar desvendá-los. Temerosa de que algo de mágico se desfizesse ou que, quem sabe, sequer existissem segredos, na verdade.
Prefiro ser racional. Tentar teorizar a (ir)realidade dos sentimentos e fingir que nada de importante se perdeu no caminho.
E, por um bom tempo, admito, funcionamos bem assim. A tristeza de se fingir feliz não é algo imediato. Seria hipocrisia fingir que não valeu à pena ou que, talvez, se tivesse a chance, não faria tudo de novo. Faria.
Éramos tão fortes juntos que pouco importava sermos bons ou ruins. Se isso é amor, desconheço. Tampouco sei dizer se “amor” é de carácter positivo ou negativo.
O apelo que tínhamos um ao outro era a simples capacidade de nos desafiarmos, provocando sempre a inércia e correndo quando outrora estivemos parados.
Ríamos sem quê nem porquê. De brincadeiras invisíveis que passavam de seus olhos para os meus.
Sorria e me dizia que nunca se cansaria de mim.
Mas a verdade é que eu me cansei o bastante por nós dois.

Escola

A sala cheirava a cigarros e àquele vinho barato que haviam comprado no caminho. O fim da tarde enchia tudo de rosa e dourado e a maresia entrava pela janela entreaberta. Fechou os olhos e sentiu o chão gelado em suas costas. Lá fora, eles brincavam debaixo da amendoeira. Era mesmo uma amendoeira? Bem poderia ser qualquer árvore. Mas gostava daquele nome. A-men-do-ei-ra. Lá fora, eles riam. Quando seria tarde o suficiente para que a casa ficasse em silêncio?
Aquele último raio oblíquo encontrou uma fresta para ficar sobre seu corpo e esquentar aquele pequeno pedaço. Lá dentro fazia tanto frio com as janela fechadas! Mas não queria sair. Nao queria sol, claridade ou companhia. Só queria um cigarro. Bem na verdade, queria escrever. Alguma daquelas bonitas alegorias. Ou mesmo dizer a verdade. Queria aprender a enfrentar o que doía. Mas não existe escola para isso.
Suspirou. Talvez devesse voltar para o colégio. Estava pronta para seguir adiante? Não queria acabar escolhendo o mais difícil. Ali tudo era tão fácil! Trocaria isso pela liberdade? Mas não podia ser livre. Não sabia assumir responsabilidades, resolver problemas. É, talvez devesse voltar para a escola. Se não aprendesse a se conhecer — diabos! — ao menos aprenderia alguma coisa.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Só valia se fosse escondido

Se me perguntarem por que comecei a fumar, terei de responder com sinceridade que não sei. Não foi por influência dos amigos, não tive pais fumantes ou, em hipótese alguma, me deixei levar por filmes ou velhos programas de TV. A verdade é que, bem antes de colocar o primeiro cigarro na boca, já tinha a imagem do glamour-cult meio oculto que une o cigarro à melancólica intelectualidade artística. Mas não era só isso. Queria morrer mais rápido, projeto estranho de uma adolescência conturbada. Nem mesmo a enorme vontade de deixar de ser jovem e cheio de hormônios incontroláveis superava meu terrível medo de tornar-me velho. E, nesse meio, perdi todo o espaço para aquela sensação tão fresca e jovem de ter vontade de viver.
Não que eu tivesse uma vida ruim, nada assim. Cresci numa família bastante compreensiva que me amava, com bastante dinheiro e alguns amigos que, nunca entendi bem o motivo, me queriam e respeitavam. Acho que o principal motivo é que queria deixar de ser o "garoto perfeito". Havia muitas apostas em meu futuro brilhante. Cobranças esquizofrênicas que vinham mais de mim do que de qualquer outro.
Acredito que o que iniciou o meu pseudo-vício subversivo foi um isqueiro. Um desses de aço, feitos para durar uma vida. Era branco com uma estrela azul. Lindo. Custou-me bem mais do que eu deveria gastar em algo que era, teoricamente, apenas um enfeite, um brinquedo. Então tive que experimentá-lo. Uma vontade irreprimível me levou até uma banca em que, sabia, não encontraria nenhum conhecido e comprei o cigarro que me pareceu mais elegante. Era preciso começar em grande estilo. O homem da banca, provavelmente já acostumado com jovens como eu e seus estúpidos vícios, deve ter achado engraçado minha dúvida e meu nervosismo  Meus dedos tremiam e por pouco não me queimei enquanto acendia meu primeiro cigarro. E dava início a um vício.
E então era ruas escuras, cantos perdidos de parques, praças distantes. Ninguém poderia descobrir. Isso acabaria com todo o meu discurso sobre essa juventude perdida e tiraria qualquer crédito que ainda tivesse comigo mesmo.
Só valia se fosse escondido.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

“O senhor vai consertar o meu irmão?”

“O senhor vai consertar o meu irmão?”, questionou a menina de uns 6, 7 anos máximo.
Omissão, mentira... Várias opções e artifícios que já lhe vinham à mente. Todos, em teoria, eufemismos de fácil execução. E Dimitri era, provavelmente, o mais indicado para usar qualquer um deles. Sabia o quanto uma criança poderia ser sensível e perceptiva aos mínimos detalhes de uma fala ou franzir de cenho. 
Entretanto, um suspiro no tempo errado ou uma pausa inadequada entre declarações e... pronto. Estaria feito o estrago.
Cuidadosamente, chegou mais perto da pequena e desceu até encostar os joelhos no chão, inclinando-se um pouco para olhá-lá bem nos olhos castanhos, brilhantes, quase vítreos de tão arregalados.Agora, mais do que nunca, sentia o peso da profissão nos ombros, arqueando-o para frente, cansado. Anos de estudo, suor e dedicação... Mas no final era aquele momento, e nenhum outro antes dele, que lhe fazia compreender as implicações do elegante diploma jogado no canto de seu quarto. Talvez por isso nunca houvesse ousado sequer emoldurar o tal pedaço de papel...
Respirou fundo. Sem perceber, as palavras fluindo de seus lábios, ternas como veludo.
Observou a menina empertigar-se. Os últimos segundos pareciam tê-la envelhecido ao ponto de ter rugas e fios brancos.

"É um caso delicado..."
Se ouviu dizer, enquanto ela balançava levemente a cabeça, compreendendo até mesmo o que não lhe era dito.
“Estamos fazendo o possível...”
Céus! Era tão nova ainda... Nova demais pra ter que lidar com vida e morte, pensou Dimitri, atordoado, tentando conter-se de tomar para si a dor que o encarava fixamente em um vestido rosa puído.
A jovem, com ares de atriz prestes à encenar um grande papel, soltou-se do agarre silencioso que a mantivera ali, escutando-o, e seguiu para o quarto no qual seu irmão repousava.
Dimitri levantou. Em seu rosto o reflexo das lágrimas que pendiam no rosto da menina, sem nunca cair, e nos lábios, o sussurro da frase que ela não quis ouvir...
"... mas nem sempre é o suficiente."

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Armando

Queria poder estar contigo. Sentir suas mãos nas minhas e aquele cheiro de cigarro que é só seu.
Talvez “saudade” seja isso... Essa coisa louca de perceber que até os defeitos de alguém lhe fazem falta...
Seria clichê dizer que às vezes - ou quase sempre - vejo seu rosto nos que me passam pela rua? Não. Não o vejo. Apenas o procuro, desejando-o, mesmo que me doa admitir.
Sorrio lembrando de nossas brigas.
Estou convencida de que Armando seria um viciado em doces, se chupasse tantas balas quanto fumava cigarros.
Tinha a voz sempre rouca, de quem nunca está 100% saudável e, por trás do semblante calmo, parecia estar sempre ansioso, nervoso por acontecimentos que sequer ensaiavam existir. Sempre à espera do clímax de sua vida, dizia ele, como em um filme.
Se há algo em que fui sincera - e sem arrependimentos - foi em declarar, desinibida e por diversas vezes, o quanto me incomodava a sua maneira de ser.
Me deixava à flor da pele com aquele jeito manso, de quem tem muito a dizer mas nunca parece disposto a falar, temendo revelar mais do que o necessário de si mesmo.
Por isso é tão difícil admitir o quanto seu silêncio carregado me faz falta... Ainda mais quando, na verdade, não é de Armando que eu preciso. Eu sei que não é.
Entretanto, sinto falta de duvidar da integridade de meus nervos. De esquecer a boa educação e arrancar um de seus malditos cigarros recém acesos dos lábios. Atirá-lo ao chão. Pisar no rolinho de nicotina e olhar em seus olhos, triunfante pela sua descompostura.
Ainda que consciente de que mesmo descomposto e desarmado de seu véu esfumaçado era ainda o mesmo homem, me irritando pelo simples jeito cansado com o qual suspira, antes de sorrir de lado e, resignado, admitir o quanto me ama.