quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Times New Roman



Encostada ao parapeito da janela, vi o céu escurecer e mais um dia ir embora.
Cansada, apoiei as costas na parede da varanda e fui escorregando lentamente, até estar sentada no chão, com os braços em torno das pernas dobradas e a cabeça recostada nos joelhos.
Viro o rosto, encarando a bola mal feita de papel amassado no canto do cômodo.
Meu coração dispara. Ler seu nome no frio da Times New Roman impressa já é o suficiente pra recordar meses de esquecimento.
Para mim, Augusto deveria estar morto e enterrado. Mas, se há algo que a vida me ensinou, é que as coisas nem sempre decorrem como deveriam...
Alcançei a outrora folha A4, tentando retomá-la a forma original. Algo aperta em vazio dentro de mim, como tentando se agarrar a algo que não existe mais.
"Augusto..." - digo em voz alta, saboreando as sílabas de seu nome uma à uma, sentindo-a na calidez de meus lábios
Tento, todos os dias, agir como se não houvesse existido. Às vezes funciona. Às vezes não. Em algumas ocasiões, eu choro, grito ou, até mesmo, sorrio, lembrando do seu jeito brincalhão de me olhar nos olhos (sem piscar) e sussurrar que me amava.
Quisera eu poder reclamar da ausência de uma presença que, em verdade, nunca existiu. Como quem reclama de não ser amado, quando sequer já amou, contestando um sofrimento cuja intensidade desconhece. Quem dera não o tivesse amado. Quem dera não tivesse existido... Mas Augusto, para minha desgraça, é tão real agora, - que o sei morto - quanto quando era vivo.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Daniel

Eu nunca escrevi um diário antes, mas também nunca houve um segredo em minha vida tão grande quanto esse. Não é suficiente inventar agora um personagem que resolva o problema ou usar palavras rebuscadas para esconder o que quero de fato dizer. Não poderia contar para minha mãe ou mesmo para Carol, minha eterna confidente. Mal tenho coragem de contar para mim mesmo, mas preciso ter certeza que foi de verdade, que não foi só um sonho. Por isso mal cheguei em casa e procurei um dos cadernos que se amontoam sob a minha cama o que ainda tinha mais folhas e me pus a escrever.

Há mil pontos pelos quais posso começar essa história. Posso falar da primeira vez que o vi ou de cada uma das tardes que passamos discutindo sobre os assuntos mais diversos entre xícaras de café e potes de rosquinhas com mel. De cada um dos filmes que vimos juntos ou das noites em que, eu sentado encolhido na poltrona e ele deitado no sofá, escrevíamos cada um seus pensamentos mais profundos, seus trabalhos mais delicados. Daniel diz que eu o inspiro que sei que o contrário também é verdade. Poderia falar de qualquer um dos momentos do ano que se passou, mas quero começar pela tarde de ontem, o que me fez quebrar meus próprios preconceitos e contar ao papel exatamente o que me aconteceu.


domingo, 4 de novembro de 2012

Contrários

Um é tudo o que o outro não é. Rebeca é passado, sempre que o irmão resolve ser futuro. Nenhum é presente. Estão ambos perdidos no tempo, sem lugar de repouso, encerrados em pontos próximos. Nunca perto o suficiente, nem longe o bastante.

Construíram-se como opostos, por não saberem lidar com semelhanças - quaisquer que fossem. Tendiam a ser inimigos, destruindo e amando-se de um jeito estupidamente masoquista e ignorante.

Nunca admitiram ou sequer lembravam que era nos braços um do outro que achavam conforto para a solidão e para as feridas que se impunham.
Houve um tempo em que a cumplicidade entre os dois era latente, daquelas que apenas se encontra em companheiros longínquos de berço. Ele sempre fora capaz de ver a verdade por traz de seus sorrisos e desarmar-lhe, fazendo-a reconhecer, relutante, o quão triste se tornara. De certa forma, Rebeca sempre fora sozinha, mas nunca sem Maurício. Com o rapaz, não era diferente. Sempre fora perdido, mas nunca sem os braços dela para acalentá-lo.
Mas esse tempo passou e as fotos só serviam para lembrá-los do contexto infeliz que fizeram questão de manter. Acharam que era de bom tom seguirem suas vidas separados, uma vez que não podiam mais suportar a carga de viver um pelo outro. Hoje sequer cruzam olhares. Evitam-se como quem evita a si mesmo.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Tempos desgastados


A casa havia mudado, quase tanto quanto ela mesma. Muros foram erguidos. Estradas, pavimentadas. Gente nova apareceu. Alguns foram embora.

Restaram lembranças, árvores não derrubadas e alguns poucos canteiros não destruídos. Nas fotos antigas, tempos desgastados. Casais abraçados que não existem mais e bebês sonolentos que correm pelo mundo, procurando sabe-se lá o quê, desde de sabe-se lá quando.

O vento farfalha nas folhas, sussurrando histórias para qualquer um disposto a ouví-las. São risadas de criança, fogo crepitando na madeira, conversas, discussões... Vidas inteiras se esgueirando por entre o quintal, entrando na casa e saindo pelo portão, transpassando os muros e fugindo pela solidão.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Às vezes, eu penso.


Às vezes gosto de pensar que avancei e que sou capaz de ignorar as trivialidades de um outrora não tão distante. Às vezes me engano, repito a mim mesma que o passado não importa, desprezando as dores longínquas. 
Reconheço que é triste isso de viver de glórias passadas, como um museu ou um astro solitário. Talvez seja essa a prerrogativa de quem deve crescer e se tornar o que não é ou deseja ser. Principalmente, porque generalizar o que sinto, me faz menos só.  
Tive um amigo, certa época. Mas nunca gostei dele, era chato e insuportável. Gritava-me justamente o que não queria escutar, nos piores momentos possíveis. Seríamos como cão e gato, caso fossemos capazes de demonstrar um pouquinho mais de afeto um pelo outro. Nunca gostei dele, me entendia como ninguém, o bastardo.
Me pergunto porque é tão difícil que se admita sentir falta de algo. De vez em quando. Quase sempre. Não é o meu caso, entretanto. Em verdade, não sinto saudades de nada. Nunca.
Às vezes, assim, como quem não quer nada, abro uma gaveta e tiro, lá do fundo, uma foto. Em algumas dessas vezes, o rosto que me sorri é o seu.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

carta para regina

É engraçado que te escreva sem ter jamais tocado teu rosto, mas é que nem toda a voz pode ser tão bonita quanto a tua. E agora que meu coração bate tão forte, não posso deixar de mandar lembranças à pessoa que é a causa dessa doença. É um pouco porque você tem sido a razão dos meus sonhos, mesmo quando estou acordada. Um pouco porque sua voz fica ecoando por todo o lado em meu cérebro. E um pouco por te ter tão longe.
Queria saber escrever aquelas cartas bonitas — até como as de Napoleão, meio raivosas, meio tristes — para te pedir para vir salvar a um capitão perdido em campo de batalha. Mas é que nem toda a palavra pode ser tão bonita quanto a sua. E, enquanto estou aqui sozinha, não posso ficar sem dizer nada. Penso em teu baton vermelho e no modo como seus lábios se mexem, parece que saboreia as palavras. Espero que essa minha caligrafia mostre um pouco de mim como mostram de ti teus lábios. Essa mordidinha que dás no canto da boca é a marca maior que podes ter, mais do que são teus lindos olhos.
Sonhei contigo esses dias, quase todos eles e só queria te dizer que queria mais que te ter em sonhos. Queria, assim quase sem querer. Você

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Às vezes as caixas estão vazias...

A velha porta de madeira deveria guardar minhas memórias. Mas não as reconheço. Com exceção de algumas poucas, a maior parte me parece estranha.  Está tão desgastada que quase não remete a nada. Angústia, talvez.. A felicidade parecendo tão efêmera quanto a tristeza. A única maneira de sentir é mergulhar de cara no armário, abrir a porta e deixar que as caixas caiam em avalanche, revelando todas as lembranças que se esqueceu com o tempo...

Carinhosamente embrulhadas e amarradas a laços de seda, as caixas parecem, na verdade, pequenos cofres, cuja combinação nunca soube. Abria-as instintivamente, como se um pequeno toque apenas pudesse revelar a história de toda uma vida, ou mesmo de várias.

Eram sempre verdades passadas, que talvez agora já sejam mentiras. Nem todas são boas, ou necessariamente ruins. Mas todas, de uma forma ou de outra, me sufocam.  O desespero está em sentir falta daquilo que sempre desejei ser e não sou... Em ser esmagada pelo que esperava que fosse, mas não é... Não me sinto chorar, mas choro. Talvez grite, mas nunca ouvi.

 Às vezes as caixas estão vazias... E, às vezes, me dizem mais do que se estivessem cheias.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Conforto



Tinha medo de admitir para si o que se passava em seus pensamentos... Era o receio de fazer uma escolha e, no processo, perder algo importante. Alguma parte reconfortante de sua vida. A covardia lhe era mais do que familiar, era parte dela. Estava errada, não era novidade. No entanto, por um breve momento, lhe parecia estranho, quando tudo o que fazia era não ser correta com ninguém, nem com ela mesma.

Ansiava por conforto, mas não do tipo confortável. Queria braços abrigando-a carinhosamente, beijos que a acalentassem e palavras sussurradas no ouvido. Às vezes queria tanta coisa que até se perdia... E desistia.

Dizia a si mesma que seus sonhos não valiam de nada. Dizia e repetia, tentando se convencer e resignar-se dos próprios medos.

Fingia para si mesma que o que inventava seria suficiente, que algumas poucas falas mansas lhe seriam aprazíveis o bastante e que não necessitava de outras pessoas. Magoar-se, afinal, era costume. Sua consciência não doía por se machucar. Aliás, muito pelo contrário, ela pedia por isso, procurando redimir-se de erros não cometidos.

Desejava alguém que lhe dissesse que tudo bem ser daquele jeito... Que um dia se cresce... Que um dia as coisas passam... E, quem sabe, até melhoram...

Ansiava por conforto, mas não do tipo confortável.

domingo, 3 de junho de 2012

É sobre o seu abraço

É sobre o seu abraço e todas as coisas que cabem nele. Todo o tempo que eu poderia ganhar estando entre seus braços e seu peito, sempre tão quente. É sobre a saudade que me dá sempre que penso em como é bom ter você por perto, mas não posso te ter. É sobre a vontade de te ligar, de te chamar pra perto, de simplesmente falar o quanto eu gosto de você. É sobre você, na verdade. Sobre estar com você, sobre seu sorriso. É sobre esse vazio que quase dói porque você não está perto. É sobre dormir sozinho.

É sobre isso que eu vivo.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Não era, era só

Talvez devesse começar declarando que seus olhos se encontraram em um flash, tal qual amor à primeira vista... Mas não foi assim. Seus olhos não se encontraram como em uma comédia romântica, tampouco o tempo parou. De fato, sequer pode-se dizer que essa história envolve amor.
Não se iluda, aqui não há vez para fantasias.
Declaro, logo de antemão, tratar de nada mais que realidades. O desejo, por exemplo, é uma delas.
Se desejavam tanto que o "amor", como conhecem, não tinha vez naquela relação. Não mantinham segredos, mentiras ou traições. Viviam para satisfazer suas vontades, sem nunca escondê-las de ninguém. 
"Se felicidade guiasse-os a ir à esquina e voltar, quem eram eles para questionar?" - perguntou-se o rapaz, ignorando os sussurros, um tanto quanto suplicantes, da mulher em seus braços.
As únicas preocupações naquele momento eram os movimentos de seus lábios e o vai e vem dos peitos fartos, dançando conforme o ritmo de suas respirações.
Não era amor, de forma alguma. Ou, talvez, até fosse. Mas não como daqueles de contos de fadas.
O que os prendia, homem e mulher modernos do século XXI, e ainda sim tão primitivos, era o desejo incontrolável de pertencerem-se um ao outro, nem que apenas por algumas horas. Quem sabe, com sorte (ou azar), dias...
Não importava.
Se tinham naquele momento. Não havia necessidade de conjurações ou hipóteses, como "futuro". Possuíam-se, ali, no presente mesmo, sem dúvidas ou (falsos) pudores. Sem perder tempo pensando no que poderia ou não acontecer.
Seus corpos, suas mentes... funcionavam em uma sincronia quase perfeita, prevendo as carícias um do outro. Talvez estivessem apaixonados.
Mas, não, de forma alguma era amor.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A imagem do texto e o texto da imagem

Era uma caixa velha, dentro de sala velha, de uma casa velha, numa rua velha de um bairro velho numa velha cidade. Era, quase tudo, esquecido. Mas mesmo assim, a curiosidade da menina a convenceu de que ali ela encontraria algo novo, incrivelmente interessante. Teve que subir numa cadeira e ficar na ponta dos pequenos pés e esticar os dedinhos para alcançar a grande caixa de papelão coberta de papeis coloridos colados. Depois de voltar à segurança do chão, assoprou com força para tirar a poeira e leu, com vagar, a palavra que se repetia infinitamente em cada um dos papéis.

- Le... Lem... Lembra... Lembranças! - disse, por fim, talvez um pouco alto demais

Esperou alguns instantes antes de continuar. Precisava que estivesse tudo em silêncio. Retirou a tampa e começou a remexer seu conteúdo. A primeira coisa que tirou foi um maço de cartas com uma letra estranha, que parecia toda feita a máquina e, as vezes, quase atravessava o papel. No fim, uma assinatura grande e cheia de voltinhas. Mas aquilo não era interessante. Logo depois, veio uma boneca. Estava gasta, pobrezinha. Seu vestidinho, que era rosa, já tinha se tornado branco, amarelado. Seus cabelos loiros eram um emaranhado. Fazendo par, um ursinho de pelúcia vestido para festa, com uma bonita gravata borboleta — agora já meio murcha — e uma cartola que era quase do seu tamanho. Botou os dois sentados juntos a sua frente. Que bonito era aquilo, aquelas tais de lembranças! Remexeu mais um pouco e, do fundo da caixa, veio mais um papel. Uma fotografia! Não tinha muitas cores e parecia ser bem antiga. Será que era mais velha que a boneca. Será que, naquela época, as pessoas e as coisas eram todas assim, meio mortas, meio... marrons? Esperava que não. Analisou cada um dos rostos e aí viu. Era ela alí! Com os cabelos presos, um sorrisinho meio sem graça. Mas o que ela estava fazendo naquela foto antiga? Será que ela tinha vivido naquela época antiga e tinha esquecido de tudo. E que ela não envelhecia? Vai ver, era uma vampira! Ou mesmo um um fantasma. Aí, e se ela fosse um espírito perdido? E porque não lembrava de estar naquele quadro?

Aquela idéia era assustadora. Como podia ela ser ela e estar ali naquela fotografia? Ou mesmo, ela não era ela! Deu um pulo, saindo daquele estado de choque e saiu correndo, sem nem perceber que ainda tinha a foto em mãos.

Mais tarde, naquele mesmo dia, a vó, dona de tudo aquilo que era velho, encontrou no chão aquela velha fotografia e sentiu o coração apertado. Bastou um relance para os olhos encherem de lágrimas e embaçarem os grossos óculos de grau que a idade impusera. Parou ali, no meio da sala, com a foto nas mãos. Até que sua neta, a única coisa nova em toda aquele cidade, veio correndo e reparou o que a vó tinha em mãos.

- Vovó! Vovó! Vózinha! Não está vendo que eu estou aí? Vózinha, eu sou um fantasma!

segunda-feira, 19 de março de 2012

"Poème de l'amour et de la mer"

I. La Fleur des eaux
Não sei se é a bebida, o sotaque... ou se é mesmo 'só' Paris... Talvez seja o ar da cidade, que mesmo sujo (ainda) consegue exalar um misto de romance e luz, dentre as nuvens que cercam os céus no período invernal... "Ah Paris...", eu suspiro, pensando que estou finalmente compreendendo a magia do lugar. As ondas batem no barco. Estou no Sena e nem acredito. Embalada por um jazz instrumental suave e um gosto forte de champanhe na boca, olho pela janela e pergunto como posso me sentir em casa, estando tão longe do lar. Mas o Sena brilha aos meus olhos enquanto desisto de encontrar a lógica de sentimentos inexplicáveis.
"É lindo demais", sussurro, mais para mim do que para o rapaz ao meu lado. Mas não o impede de me olhar e sorrir. Não entende minha língua. Quase nada, entretanto, visivelmente compartilha de meu entusiasmo.

Ia. Interlude
O barco estava abarrotado, mas o barulho não penetrava nosso silêncio. "Estou em Paris", repeti, agora em inglês, brindando com o 'estranho'.
"Cheers", ele disse. Também estava fascinado, chocado com a profundidade da beleza parisiense, a qual apenas a luz noturna deixava transparecer.
E eu que achava a impaciência de Londres atrativa... Mal sabia eu da charmosa lentidão de Paris, com seus vinhos, luzes e passarelas urbanas... O uso do guarda-chuva está fora de questão. Os sortudos de verdade ainda hão de sentir as gotas de chuva escorrendo pelos fios de cabelo... A moda em Paris é existir, comer um bom croissant, vestir a roupa que o humor ditar e sair à noite, andando pela ruas, sem compromisso ou destino definido.
Era assim que eu me sentia: "livre, leve e solta", como se nenhuma de minhas responsabilidades pesasse o suficiente para me prender. Marco, eu podia ver, sentia-se da mesma forma. As adoráveis covinhas em suas bochechas e a maneira casual com a qual deixava o vento bagunçar seus cabelos negros, ainda molhados pela chuva, denunciavam seu estado de espírito.
Morava em Paris há "thirteen years", declarou em um inglês perfeito, e cada noite era como se a visse pela primeira vez.

"Isn't that what poets would call 'love'?"

Encarei-o. Conhecia-mo-nos há pouco mais de sete dias, então como poderíamos ser tanto um para o outro? Irmãos, amigos, amantes... Em verdade, nunca nos classificamos. Sempre fomos, desde o início, mais do que mera convenção.

"Maybe"

II. La Mort de l'amour
Nossa voz era mansa. A conversa, tranquila. Seguíamos ambos no ritmo cambaleante do Sena, sem pressa de aportar. Tomei mais um gole de champanhe, apreciando o toque da taça de cristal em meus lábios. Sorri ao perceber-me sendo observada. Marco exalava felicidade. Pela primeira ver, segundo ele, presenciava meus "olhos brilhantes de criança aventureira". Chamei-o de bobo e ri, sabendo que não entenderia e tampouco se incomodaria com isso.
Parei de rir, de súbito, e suspirei, extasiada pela presença do 'estranho'. Uma tristeza pairava no ar. Sabíamos que teria um fim - sempre tem. A presença não seria eterna, assim como o brilho do Sena desapareceria com a chegada da manhã...

"L'amour..."



obs.: O título (e os 3 subtítulos) fazem referência à ópera "Poème de l'amour et de la mer", de Ernest Chausson

domingo, 18 de março de 2012

Já posso acender meu cigarro.

Chuva me faz querer fumar - e fazer sexo - e esse apartamento cheio de nada me irrita. Tudo ainda está dentro de caixas, malas e enormes embalagens de plástico bolha. Odeio mudanças. Uma incrível quantidade de poeira consegue invadir os lugares mais imporváveis e há sempre coisas perdidas. Tenho certeza que dessa vez será um dos meus livros de direito internacional. Ou uma das minhas poucas calças jeans.
O burburinho lá fora diz que já era hora do Daniel ter chegado com a comida - provavelmente de um daqueles restaurantes asiáticos só para entragas e take away - estrangerismo babaca mas sem tradução bonita o suficiente. É incrível como as pessoas fazem barulho ao sair da igreja. Estamos no terceiro andar e ainda dá para ouvir as conversas sobre o sermão do padre dessa noite, a coragem daquela depravada de ir se comungar e todas essas mesquinharias dos bons cristãos. O fato de termos vindo morar em frente a uma igreja seria cômico, não fosse trágico.
Hora de abrir a janela e acender o maldito cigarro. Culpa sua por não chegar na hora e me deixar com fome esperando, então não reclame do cheiro quando entrar. O modo como o vento úmido bate é delicioso, mas aposto que vai acabar estragando todos os fios da casa. Cadê esse maldito? Bem, então, foda-se.
Já posso acender meu cigarro.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Não sei...

Não sei pensar sentindo o seu perfume, com suas mãos em meu corpo, seus olhos me querendo. Não sei te dizer não, olhar em seu rosto e não te querer mais perto. Que fascínio é esse, por que tão forte? Ah, menino, o que queremos com tudo isso? Até onde posso escolher o caminho sem que venha você e me cegue? Pois sem ver, preciso que você me guie e nem sei mais o quão disposto você está. Sei o que quero, mas não sei te dizer. Sei o que você quer, mas não quero compreender. Vamos adiante ou ficamos aqui? Peço-te para ficar ou para sair? Oh, malditas! Temíveis decisões. Enquanto isso fico aqui, entre duvidas e confissões.