segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Escrevo agora enquanto ele dorme

"(...) Não sei quanto tempo passou ou mesmo se o tempo passou. Cada beijo, cada toque, era mais um momento de perfeição. Nunca me existiu momento mais sublime. Nunca me senti mais amado ou amei mais. É até um pouco estúpido falar assim sobre algo tão carnal, mas foi muito mais que só sexo. Muito, muito mais que isso. Foi um pacto, uma promessa. Algo como jurar o amor eterno, mas sem precisar falar nada. Perfeito."

"Deixa estar, jacaré..."

Apertei, mas larguei assustada. Tinha o cheiro e a voz dela, sussurrando terna no meu ouvido. Acalentando-me e, sem sequer uma palavra, garantindo apoio incondicional para qualquer uma de minhas loucas travessuras.
"Levada da breca..."
Eu disse para mim mesma, como se assim pudesse ouvi-la novamente, proferindo exatamente as mesmas palavras, com aquele tom divertido, que lhe era tão peculiar.
Virei de lado.
"... tua lagoa há de secar..."
Fotos e mais fotos, imagens congeladas de momentos e pessoas que deixaram muito mais do que mera saudade.
Sinto ainda as mãos frias nas minhas, como se as segurassem para atravessar a rua.
Tão frias... "E o coração quente", sempre dizia. E eu sempre acreditei, porque, para mim, não poderiam haver corações mais quentes do que aqueles. Entretanto, até os mais calorosos sofrem, até eles param.
Estavam os dois juntos de mim. Ela e ele. A voz e o toque, que por tanto acreditei, ou ao menos pensei acreditar, ter esquecido.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

a ême í gê o

Quero-lhe amigo
E que leve consigo
O bom do meu ser

Quero dar meu amor mais tranquilo
Cheio de afeto
E de estranho carinho

Se está longe
- Se não posso lhe alcançar -
Um pedaço de mim
Logo se faz faltar
Mostra-me que não sou
Forte para enfrentar
O mundo por mim mesma

Sem você para ajudar

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

la lettre je vais jamais envoyer

C’est ma vie. C’est parfait. Je sais que ma vie est bonne. J’ai mes amis, j’aime mon université, tout est parfait.

Mais tu me manques. Me manquent vous tous.

É um pouco como aquela peça que fomos ver, você se lembra? Enquanto falava o ator, era preciso lutar para que o vazio não se instalasse dentro de nós. E era mais fácil porque você estava ao meu lado. Ou aquele filme que fomos ver juntos. Você segurou a minha mão. E fica tudo mais fácil assim. Sua mão de dedos pequenos. As vezes, sinto como se você fosse inalcançável, como se, como ela, tivesse morrido. Mas você ainda está aí. Em algum lugar, estudando francês, lendo um livro, estudando filosofia. O que faz o mundo de ti? Se ainda estás aqui, tão perto, agora, o que falta para que eu te encontre? Se te deixei ir, me desculpe. Acho que eu sempre soube que, um dia, precisaria de liberdade. Eu só era pequena demais para entender que não é preciso dar fim para se ter liberdade. Eu poderia ter tudo e ainda te ter. Agora já é tarde. Mas será?

Je ne sais pas pourquoi je te laisse partir. Mais je veux ici avec moi. Je te veux.

domingo, 27 de novembro de 2011

Abandono

Se afastou com um sorriso no rosto, mas eu sabia que não era de alegria. Sorria porque não sabia o que fazer quando ficava sozinha. Porque quando virava as costas e se despedia de todos, tudo o que a esperava era um quarto vazio. Quantas vezes não pensei em você, imaginando-a chorando, gritando, sofrendo sozinha de dores que ninguém poderia aliviar. Se iludindo, acreditando que nada poderia melhorar.

Agora não é diferente. Fico imaginando como você está, como ficou depois que eu fui embora. Como se sente após mais um abandono.

Não é pena, é pior... Culpa.

Sofro.

Tenho pesadelos com a sua solidão.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Marco

"Era a morte. Fora tão sorrateira quanto lhe disseram que seria. Virou o pulso machucado, estava atrasado. Sua mãe ficaria furiosa novamente, ligaria para Anthony e reclamaria do filho desnaturado que não puxara em nada a pontualidade inglesa da família. Podia até visualizar a cena: o irmão, perfeito, de terno sob medida e gravata italiana, no escritório renomado em que trabalhava, deixando de lado o computador de última geração para atender à Dona Rosemary e ouví-la reclamar sobre a atitude irresponsável do filho mais novo. Sim, 'mais novo'. Não fosse pelo intervalo de três minutos, o qual, segundo a mãe, fora essencial para separar o gêmeo bem-sucedido do fracassado, teriam sido idênticos. Compartilhavam os mesmos cabelos morenos e, até certa idade, o mesmo brilho aventureiro nos olhos verdes. O caçula sorriu, ignorando a dor e abraçando suas deliciosas memórias infantis. Na época, eram apenas Tony e Marc, duas crianças absurdamente altas para a própria idade. Inseparáveis, adoravam brincar de desenhar e construir coisas, sonhavam em ser arquitetos e dominar o mundo. Apesar da tenra idade, eram excepcionais em quase tudo que faziam, admitiam-no. 'Tempos Dourados, que não voltam mais', sussurrou para si mesmo. Os meninos logo cresceram. Tony e Marc viraram Anthony, o engenheiro dono de empresa e Marco, o desempregado com negócios escusos. Simplesmente acontecera... Em um dia estavam juntos, no outro já não estavam mais. Verdade seja dita, sua mãe nunca o vira com bons olhos. Sabia, desde sempre, diferenciá-lo de seu irmão, tal qual um fruto podre, que facilmente se destoa dos demais. Ela estava certa no final das contas. Marc era covarde, talvez fosse esse seu maior defeito."

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Culpava o coração.

Culpava o coração por aquilo tudo. Pelos batimentos rápidos demais, tanto que chegavam a fazer doer. Maldizia-o em silêncio enquanto segurava as lágrimas. Pobre órgão. Pobre conjunto de músculos que não faziam senão obedecer. Se pudesse, bateria devagar. Se pudesse, acalmaria o corpo. Mas ele só obedecia. Era preciso que cessasse a onda louca de hormônios. Era preciso que se fechasse os olhos, tapasse os ouvidos, entorpecesse a pele, cerrasse os lábios, fechasse as narinas. Mas não seria o suficiente. Bastava uma memória de algo que nem fazia sentido parecer com ele. E pronto. Não precisava nem fazer muito sentido. Era só um gatilho e pronto: fim da calma. E o coração suportava, calado, as maldições em silêncio, esperando que um dia entendessem que não era culpa dele, pobre órgão, pobre escravo.

domingo, 4 de setembro de 2011

Significa que você foi embora

A temperatura finalmente começou a cair e parou, um pouco, de chover. As pessoas andam pelas ruas de casacos e cachecóis, mesmo que não haja real necessidade. A expectativa das pequenas férias já são o suficiente para empolgar os adolescentes. As últimas provas e duas semanas de liberdade.
É engraçado caminhar na praia com o vento frio, as nuvens baixas, pesadas e mais niguém por perto. Parece outro mundo. Outra cidade, ao menos. Acho que ninguém por aqui gosta desse clima escuro. Eu gosto. Você gostava.
É, inverno de novo. Vou tirar os cobertores do armário. Vou ver um filme com chocolate quente. Vou tentar esquecer, mas não consigo. Vou tentar que não faça doer, mas é impossível.
O tempo mudou, acho que significa que o tempo passa. Significa que você foi embora.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

"I love you"

Mas não o amava. Estranho... Era tão fácil lhe professar amor em inglês. Era tão fácil mentir em uma língua que não era sua, mentir usando a língua dele...

"Je t'aime"

Repetiu, agora em francês, como para que enfatizar um sentimento que, de fato, era inexistente. Fria? Não, era romântica a coitada, pensava tanto do amor que apenas não podia crê-lo real.

"Eu te amo"

Nunca conseguiria dizer na cara dele, nem na de ninguém ou, pelo menos, não intencionava fazê-lo.
Certa vez, até encenou dizer ao espelho, para testar, mas não fez efeito... Nada de arrepios, fogos de artifício ou insights que lhe fizessem sorrir.

"Amor é mesmo coisa pra se ler em livros, nada mais que isso"

Falava a quem quisesse ouvir. Só ele não sabia.

sábado, 13 de agosto de 2011

Pão com nutella

Parecia algo simples. Devia ser simples. A torradeira faria metade do trabalho e depois... Bem, depois era só pegar o máximo possível do creme marrom e espalhar sobre o pão perfeitamente torrado. Fácil, não é? Bem, nem tanto.
Foi algo entre o apito da torradeira e o pão chegar ao prato. Definitivamente antes de chegar na mesa. E, como que do nada, a torrada não era mais torrada. Quer dizer, ainda era uma fatia de pão de forma devidamente aquecida para ganhar mais sabor e crocância, mas havia se tornado um símbolo. Sentou-se, o silêncio da cozinha parecendo estar esperando que chegasse à conclusão certa. Com cautela, mordeu um pedaço pequeno da borda, sentindo a massa se desfazer em micro pedaços em sua boca. E então entendeu.
Não era o pão, era ela. Eram eles, aquele pão. E, definitivamente, faltava nutella.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Got to get you into myt life

Ele toca guitarra. Copos e copo de whisky ou cerveja, o que estiver na geladeira. Mas não ficamos bêbados. Nunca, nunca! Páramos antes, não é? Acho que sim. Eu lembro de tudo, fiz tudo por querer.
Ele toca guitarra. Toca uma música pra mim? Qual? Qualquer uma. Uma que eu saiba cantar. Uma pra gente cantar junto.
Ele toca guitarra. Faz uma música pra mim? Faz uma música sobre ser amigo, sobre ser amante, sobre sermos nós, assim. Faz uma música sobre nada, sobre fazer nada, sobre estar junto. Sobre o quanto te quero.
Ele toca guitarra. Tão bem quanto ele me toca. Tão bem quanto ele me faz deseja-lo. Tão bem que eu queria ser guitarra. Queria ser viola, violão. Queria ser dele e só.

Queria, não. Ainda quero

sábado, 30 de julho de 2011

"Não possuía nada de excepcionalmente belo,

mas parecia um daqueles modelos masculinos de conversível, com jeans escuros, blusa vermelha, jaqueta preta e óculos Ray-ban. Andava gingando, como no ritmo de uma música, a qual só ele era capaz escutar. “Uma figura (e tanto)”, minha mãe diria se pudesse vê-lo. Não sei seu nome, admito, nunca soube. Em meus sonhos é qualquer coisa que comece com J, ou P, nada muito exato. De fato, conhecia-o apenas o suficiente para entender o motivo de sua presença. Afinal, sentíamos falta das mesmas coisas.

(...)

E ali estava eu, olhos nos óculos de marca com o que poderia ser a reposta para todas as minhas desilusões, face a face com o meu dilema, com o meu mistério, sem saber o que fazer ou para onde ir.

Ele passou por mim. Estranho, tudo tão rápido, tão devagar. Os dilemas continuavam ali, espreitando. Ele tinha ido, as dúvidas não. Continuava perdida, parada no mesmo lugar, sem saber o que fazer. Desejei que ele realmente tivesse um conversível, ou um carro qualquer, no qual pudéssemos fugir e procurar o que quer que estivesse faltando em nossas vidas. Desejei que fosse real, que não sumisse no ar. Senti ânsia de voltar, poder retroceder levemente no tempo, cruzar com ele de novo em meu caminho e, ousadamente, tirar-lhe àqueles malditos óculos que jamais permitiam-me ver seus olhos e enxergar o que tanto esperava que me dissessem. “Está tudo bem”... “Você não está sozinha”... Desejava que sussurrassem para mim... “Nos veremos novamente”... Mas, nada, o menino ou homem? Nunca soube ao certo. Ele já passava pela esquina, misturando-se a outras centenas de pessoas passando despercebidas umas as outras, atravessando as ruas, indo para suas casas, seguindo seus destinos. Nunca mais nos veríamos. Ele tinha ido, as dúvidas não."

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sobre adorar correr na chuva

Sim, eu sei que é ‘cientificamente provado’ que correr na chuva molha n vezes mais do que andar na chuva. Não é essa a questão. Só quem já correu na chuva sabe. Aliás, mais especificamente, só quem sabe são aqueles indivíduos incrivelmente sortudos que, por escolha própria, em um dia de folga (isso mesmo: folga, sem trabalho, escolha, ou quaisquer tipos de compromissos agendados), optam por ‘esquecer’ em casa o guarda chuva, a prudência e os casacos com capuz. Pegar um resfriado pós-chuva torna tudo ainda mais gratificante, tal qual um lembrete, uma ferida no joelho depois de fazer aquela manobra com o skate (agora quebrado) do seu irmão.

Hmmm.... Uma delícia! Melhor que isso? Só se der de cara (não literalmente, claro) com um poste à lá “Singing in the rain”.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu queria...

Eu queria saber te amar, como quem ama devagar, como quem ama por carinho ao simples ato de amar. Queria saber as rimas, as vozes, as melodias para cantar para você as canções que serão para sempre as suas de ninar. Queria te saber, te provar, te ter. Queria te guardar. Se eu te aprender, você fica essa noite? Se eu te quiser como você me quer, você fica também amanhã de manhã?

sábado, 2 de julho de 2011

Pedro,

"Você lembra uma vez em que a gente era bem pequeno, acho que o Ezequiel nem tinha nascido ou tinha só alguns meses, em que choveu tanto que caiu a energia? Estava ventando muito lá fora, já era noite e nós deveríamos estar dormindo e, por isso, mamãe não veio com a lanterna ou algumas velas. Lembra o que a gente estava fazendo naquela noite? Cada um em sua cama, fingíamos que estávamos em barcos perdidos no oceano e que o lençol era a nossa única ligação. A chuva tamborilando na janela era um incentivo, mas quando o disjuntor estourou, o barulho que tudo fez lá fora e o fim das luzes foram motivos para você soltar um gritinho abafado, nada o suficiente para acordar a mamãe ou, pior, o papai. Eu disse que deveríamos dormir e você concordou, mas nenhum dos dois seguiu o conselho. Enfiei-me inteiro debaixo do cobertor. Os trovões que ressoavam lá fora e a luz de cada raio me faziam tremer. “Homem ao mar!”, você gritou de repente, “Socorro, vou me afogar!”. Rindo, joguei o lençol para você e te puxei até a minha cama. Só então conseguimos dormir, você agarrado em meu braço e eu sentindo você quentinho e calmo.
Não está chovendo agora, pelo contrário, o tempo está bastante seco e o barro vermelho se gruda em sua roupa e pele em qualquer lugar que se vá, mas queria voltar àquela noite, onde qualquer medo podia se resolver com você dormir em minha cama. Era raro que você viesse – você era um menininho corajoso – e por isso mesmo havia noites, principalmente quando chovia lá fora, que eu deseja que você sentisse medo, só para vir aplacar o meu. Quando penso em você, me sinto egoísta. Sempre te quis do jeito que fosse melhor para mim, mas você sempre foi melhor do que eu podia pedir, mesmo que não para mim."

" (...) Ele era apenas (mais) uma pequena parte

Não iria estragar a tentativa de um todo por uma coisa tão desgastada quanto sua própria vida. Não. “A causa era muito maior”, repetiu para si mesmo enquanto via os homens retornarem, sádicos. Remexeu-se na cadeira. Já perdera noção do tempo que estava ali, das coisas que lhe haviam sido feitas.

Quero morrer do meu próprio veneno

Quero perder de vez tua cabeça!

Minha cabeça perder teu juízo.

Me embriagar até que alguém me esqueça

Enterrara-se no ‘confortável’ de seu subconsciente, esperando que pudesse reencontrar seus pais, seu irmão e a praia da qual tanto sentia falta.

Essa palavra presa na garganta

Esse pileque homérico no mundo

De que adianta ter boa vontade?

Era covarde, sabia. Devia lutar, continuar vivo e lutar. Mas não conseguia. Tão novo, e já não tinha força. Faltava-lhe essa, dentre várias outras coisas.

Talvez o mundo não seja pequeno

(Cale-se!)

Nem seja a vida um fato consumado

(Cale-se!)

(Em itálico, trechos da música Cálice, de Chico Buarque e Gilberto Gil)

domingo, 19 de junho de 2011

Você não é a mulher dos meus sonhos

Posso sentir os calos de seus dedos quando desliza a mão sobre a minha pele nua. Posso sentir o salgado de sua língua na minha, ver seu cabelo fora do lugar quando acorda pela manhã. Conheço seus humores e as incostantes mudanças nele. Tenho vontade de mandar-lhe ao inferno quando me interrompe um jogo. Seus horários não batem com os meus. Acho que te conheço bem demais, você conhece a mim melhor do que eu jamais conheci. Você não me entende, eu também desisti de te entender. Você é vegetariana, eu adoro carne. Você quer ter filhos, eu gosto de chegar tarde e fumar cigarro na sala. Eu gosto de ficar sozinho, de vez em quando, preciso ter uma sala só pra mim; você gosta de reuniões ruidosas de família.
Você não é a mulher dos meus sonhos. Acho que ela nem existe.
Você não é a mulher dos meus sonhos, mas é quem chega o mais perto disso.

"(...) Afastei-me,

ignorando todos os protestos e, mesmo com o coração saltando do peito, caminhei até a porta e saí. Não olhei para trás ou esperei que a abrisse para mim. Estava feito: nunca mais voltaria.

Segui andando em direção à minha casa, à nova vida que aguardava por mim... Não tive preocupação de ser vista ou qualquer outra coisa. Ia me casar afinal, tornar-me uma “moça de respeito” e com muita, mas muita, sorte conseguiria atenuar o vazio, no qual, agora, consistir-se-ia minha existência.

Assim que entrei, mamãe veio ao meu encontro, reclamando do atraso imprudente.

- Alfred está na sala à sua espera, apresse-se, troque de roupa e vá ter com ele – sussurrou

Subi até meu quarto, obediente tal qual nunca fora, e troquei de roupa. Desci, como mandara mamãe. Alfred estava lá. Impaciente, andava nervoso, de um lado para o outro, desgastando a sola de seu caro sapato de couro. Apenas parou ao notar minha presença.

Veio até mim, tomando-me a mão e me questionando. Há tão pouco havíamos confirmado o casório e aquele homem já se considerava meu dono. Mal sabia ele que meu coração já fora domesticado.

Dei uma desculpa esfarrapada sobre estar na modista e seu rosto se iluminou, provavelmente pensando na renda branca de meu vestido de casamento. Amava-me tanto, o coitado, que até sentia ânsia de correspondê-lo. (...)"

sábado, 11 de junho de 2011

"Observava seu rosto,

sem entender nada ou, melhor, desejando não compreender. Era apenas mais um daqueles momentos nos quais se via insensível. Nada lhe trazia reação ou, pelo menos, a reação que deveria lhe trazer. Virou-se, mais um espelho... Não. Alguém a observava. Virou-se, continuavam ali. Eram olhos. Olhos dele, olhando nos olhos dela... Em verdade, ele sentia algo, podia dizer pela expressão angustiada. Não eram um só, como pensara. Afinal, nada era eterno. Foram inseparáveis, de fato, durante um bom tempo. Doía, então. Doía perceber que as coisas não eram mais tão perfeitas. Mas doía nele, não nela. Ela não podia sentir, não queria e nem conseguia.
Eram corpos separados, unidos por acasos, os quais provavelmente serviriam para separá-los mais tarde – sempre tivera essa certeza. Nada dela, nenhuma reação. Sua face estava pálida e apenas encarava-o, tentando adivinhar o que deveria fazer, tentando escolher entre a resposta mais honesta ou a mais apropriada àquele tipo de declaração... “Eu te amo”, ele dissera. “Eu te amo”, ele repetira.
Mas nada dela."

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Epinefrina

“Os olhos fecharam, deliciando-se com seu ritmo cardíaco descompassado. Era como se uma bola gigantesca de euforia houvesse explodido dentro dela e agora lutasse para exalar através de seu corpo e fazê-la pular (ou quem sabe, até voar). O sentimento lhe era tão novo, tão deliciosamente inquietante, que não conseguia evitar sorrir (e permanecer fazendo-o).

A verdade era que desconhecia a existência de sentires tão intensos e do que poderiam vir a acarretar. Não eram sensações ruins. Não, de forma alguma ruins. Completamente viciantes e contraditórias, talvez. Inspiravam-lhe medo, ao mesmo tempo em que preenchiam-na com a coragem e com a teimosia necessárias para vencê-lo. Faziam-na sentir-se tão pequena e tão grande, em velocidades e momentos tão variados, que impediam-na de julgar quaisquer coisas com a clareza habitual.

Parecia responder como que por estímulos involuntários, como se seu corpo não lhe pertencesse. Aliás, de fato, acabara de conhecê-lo por completo.”

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Ma petit

(…)Eu sinto a sua falta. Faltam seus olhos, ainda pequenos de sono, olhando-me ao acordar. Falta sua voz doce fazendo-me prometer que irei te ver mais uma vez no mesmo dia. Falta o seu "tap-tap" impaciente esperando no portão da escola tada vez que eu me atrasava. Falta sua mão segurando a minha ao andarmos nas ruas frias de São Paulo. Faltam seus braços quase me tirando o ar quando toda vez que eu te deixava na portaria e você me pedia para subir. Faltam seus lábios selando uma nova promessa de nos vermos novamente muito em breve. Faltam as palavras doces que eu inventava pra sussurrar em seu ouvido. Falta o meu jeito romântico de tentar frases em italiano, francês e alemão apenas para te impressionar. Falta minha alegria de ver seu rosto corar com palavras bobas que se criam na mente de um apaixonado. (…)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Era um sentir novo.

Uma angústia diferente, cuja intensidade aterrava-o. “Era melancólico ou realista?”, refletia. Mas, em verdade, fosse o que fosse, não desejava mudar. Era-lhe de um conforto soberbo que a vida fosse tão desconcertante. Apenas uma maneira (diversa) de ser exatamente aquilo que era. As lágrimas que ameaçavam seus olhos eram apenas novas reações estimulados por rompantes de raiva, autodesprezo e arrependimento. “Seria tão ruim conformar-se?”, exasperava-se, “Era normal que isso, pouco a pouco, lhe corroesse por dentro?”. Nenhuma dor, ou dúvida, que fosse desconhecida ao menino. Nenhuma aflição que lhe fosse inteiramente inédita, mas, ainda sim, sentia como se experimentasse-nas pela primeira vez. Estava confuso. Sentia-se abandonado e perdido, como uma criança brincando sozinha. Podia rumar para onde quisesse, mas não sabia aonde deveria ir (ou chegar).

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O que você faria?

(...)

- O que você faria se eu dissesse que te amo?

Não se livrou de meu braço, mas afastou o rosto para me olhar.

- Gustav, não me provoque.

Mordi o lábio um tanto nervoso com seu olhar sério.

- Não é provocação.

Soltou meus braços e deu dois passos para trás.

- Então o que é?

Tentei aproximar-me novamente, mas ele recuou. Suspirei, frustrado.

- Talvez seja provocação, mas só um pouco. Você sabe que é verdade, não sabe? Sabe que eu te amo.

- Você tem 17 anos, o que sabe sobre o que é amor?

Entendo por que Daniel tinha medo. Tive receio de aproximar-me também, de ver o que poderia acontecer com nós dois. Mas eu o quero mais do que posso agüentar.

- Sei que tudo no que eu penso é você, tudo o que sonho é você. Eu quero, preciso de você.

Ele deixou-se vencer. Sei que queria continuar a discussão, que achava que não deveríamos continuar com aquilo e que me queria tanto quanto eu o queria, que nos amávamos na mesma intensidade.

(...)

quarta-feira, 11 de maio de 2011

AMO. e não "amava", "amei", "amara", "amaria"

Onde está o que ainda amo?
Por que você quer se esconder
do seu lado mais lindo
que era só meu?

Você não é mais "só".
O que lhe falta não é alguém.
Falta-lhe você.
Uma imensa dose de si mesmo.
Afogue-se em sua alma.
Só assim torná-la-á mais plácida.

domingo, 8 de maio de 2011

Como se nada (me) bastasse

Sentia como se nada bastasse, como se ‘tudo’ e ‘nada’ não pudessem preencher um décimo do vazio que me consumia.

Não um vazio qualquer, mas uma dor. Uma dor que pulsava crescente, ameaçando até a, por vezes, sufocar-me. Chegava a subir a garganta, mas eu mordia a língua, sem deixá-la escapar. Temendo que, caso o fizesse, ganhasse ares de importância, crendo-se real ou algo do gênero.

Não. Essa dor nada tinha de real. Não passava de mais um fruto qualquer de uma árvore deveras fértil. Era tão minha a maldita, tão só minha, que não podia existir se não dentro de mim. Não havia chão que a fundamentasse em palavras ou gestos. Era tão sútil quanto um sussurro, fazia-se presente com a mesma rapidez que ia embora.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Vaidade

Toda vez que ele chegava

Ela estava lá

Penteava os cabelos longos

E o espelho a lhe olhar


Sempre que ele partia

Ela ficava ali

Cuidava do rosto bonito

E o espelho a lhe sorrir


Ele lhe beijava a nuca

Ela não ousava se virar

Ele a queria maluca

Louca ela era já

Ele a amava inteira

Ela não saia do lugar


E o espelho a sonhar


A cada vez que ele gritava

Ela só sabia chorar

Não o olhava de volta

E o espelho a esperar


Quando cansou-se do espelho

E do reflexo dela, afinal

Deixou-a, fechou a porta

Só o espelho a sabia amar

domingo, 24 de abril de 2011

até que descobri como dar fim

Gostava que fosse assim, na verdade. Eu o amava de corpo, coração, alma e o que há mais além. Era boba, era menina, era inocente. Mas nada disso é desculpa. Não posso dizer que foi porque cresci vendo as coisas dessa maneira, nem que aceitava por não saber existir outra realidade. Não digo que fiquei cega de amor. A verdade é que eu gostava, achava que merecia. Era do jeito dele.
A primeira vez foi meio acidente, mas depois foi se tornando hábito. Cada vez que ele chegava eu já sabia como ia acontecer, já esperava. Podia ser por qualquer coisa, um cheiro estranho no quarto, um gosto diferente em minha boca, uma nota a mais em meu sorriso. Ele vinha, besta, fera, faminto, homem. E eu me recolhia, fraca, submissa, perdida, mulher. Era meu papel. Fazia parte do nosso jogo. Ele batia e eu aceitava. Quando cansava, eu lhe fazia carícias e pedia desculpas. Ele chorava, eu chorava também. E nós nos amamos assim.
Foram anos assim, até que ele se foi, deixando-me sozinha. Disse que voltava, mas foram passando os dias, que viraram semanas, que viraram meses e eu aqui. As marcas de seus dedos foram sumindo de minha pele. Suava frio nas madrugadas procurando seu corpo entre os cobertores. Tentei eu mesma refazer seus rastros, mas não sabia de que me acusar. Não era como ele que conseguia achar minha culpa em tudo. Ah, não, eu só sabia aceitar, acreditar, obedecer. Então meu corpo voltou a ser intacto, intocado, inútil.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Noite passada

Sonhei que nada havia mudado. Exceto por seus cabelos, que haviam crescido, o tempo lhe fora generoso, não tinha rugas. Voltava de uma viagem de férias prolongadas e parecia cansado. Entrei no quarto. Encontrei-o dormindo, mas logo acordou – como se pudesse sentir que estava ali–, sem sequer dar-me tempo para acostumar-me com o novo contexto que apresentava-se diante de mim. Um contexto inusitado, no qual meu avô estava vivo. Não só estava vivo, como ali, sentando-se na cama, disposto a me dar o abraço que por tanto ansiei, disposto a afagar meus cabelos e dizer que estava tudo bem, que as férias haviam sido ótimas e que vivera mil e uma aventuras, as quais seriam relatadas com minúcias em uma próxima ocasião. Disse-me ainda ter sentido minha falta e ter voltado para ficar, mas a contragosto, não permite-me ludibriar por suas falas tão carinhosas. Já fora embora uma vez. Aquilo era apenas um sonho, ele iria embora novamente, não haveria uma “próxima ocasião”. Abracei-o mais forte. Se era tão real, então por que não era realidade? Queria crer, mas não conseguia. Queria poder, de alguma maneira, tornar verdadeiro aquele quarto, aquela cena tão maliciosamente elaborada pelo meu subconsciente. O tempo, entretanto, passou em um borrão e o que outrora fora meu avô abraçando-me, mostrou-se ser apenas mais um quarto vazio.

terça-feira, 19 de abril de 2011

"your skin and bones"

Como os olhos são bonitos! Talvez por serem comuns. Talvez por terem aquele olhar, desses que te atravessam, vêem seus ossos. Desses que dão medo de suportar. Talvez por isso sejam tão bonitos.

O que mais existe por trás dos olhos? Alma? E é alma isso que a gente têm, isso que nos move? Acho que sinto dor na alma quando olho pra você. Ou talvez seja só falha num órgão velho e inútil. Quem sabe dói-me o coração.

Tem que haver algo depois desse jeito que tem de mirar. Deve doer também.

Então o que existe mais é dor. Amor é dor também, é doença, contagia. Mas tem quem seja imune. E quem seja vulnerável, que pegue muitas, muitas vezes. Amar é esquisito, te quebra um pouco, te deixa velho. E jovem, um pouco. É tanto sangue correndo! É engraçado que sangue te mantém vivo, mas te envelhece, te mata devagar.

Que tortura!

Olhos vêm para dar espaço à dor, que é também o amor, que, com e como o sangue, te assassina e te remoça. Há tanto que não entendo! Você, por exemplo. Seus lábios

domingo, 17 de abril de 2011

Mas sou eu.


Sou eu quem não quer deixar ir, sou eu quem tem medo, sou eu quem sente saudades, sou eu quem quer lembrar.

Uma lágrima desce. Seus olhos quase vítreos me encaram em um silencioso “Quem é você?”, ao mesmo tempo em que seus sussurros sufocados gritam por um socorro ininteligível. Age como se me visse - embora não reconhecesse -, cega por uma dor que, de fato, não é dela. Iludida por uma falsa verdade, por uma mentira que sequer lhe pertence. A dor é minha. A angústia é de quem se senta ao lado e assiste de camarote. A saudade, de quem lembra do outrora que não volta mais. Afasto-me. Erro, sei que erro. Choro, mas não adianta. Ninguém à minha volta sabe o que fazer, mas não ser a única não traz conforto. Nada traz conforto. Afinal, quem se apraz com a desorientação? Eu não. Me sinto mal, perdida, como se fosse levada por um desconhecido. Um desconhecido que, em verdade, é o “eu” que só ela vê.

sábado, 9 de abril de 2011

Quando fecho os olhos, o mundo some

Quando vinha tomar café, quem o atendia era sempre ela. Não teria reparado se não fosse ao mesmo lugar todos os dias. O que havia para reparar? Era sempre a mesma decoração, a mesma toalha, as mesmas xícaras iguais, a mesma televisão passando o mesmo programa. Não podia esperar que não fosse a mesma garçonete.
Não havia no que reparar.
Era sempre o mesmo jeans, o mesmo all star vermelho, o mesmo cabelo loiro preso no sempre igual rabo de cavalo. Os dentes meio tortos, o aparelho metálico, os lábios finos, sem graça - como tudo ali.
Levantou os olhos do celular e a viu. O que ela vivia? Ela vivia café e sanduíches gordurosos? Ela vivia a escola? Não, era muito velha para isso. A faculdade, talvez? Mas porque ela. Tomou um gole de café.
Ela sempre sorri assim quando oferece outra xícara? Não sabe ela que a resposta é "não"? Porque está atrasado, como sempre. Para alí só para não chegar na hora. Para não ter que reparar no trabalho. Porque não repara em nada.
Mas porque naquele dia se são todos iguais? Talvez porque acordara cinco minutos antes do despertador e não depois. Talvez porque tinha uma estrela ainda no céu. Talvez porque tenha feita um pedido. Ou simplesmente porque tenha fechado os olhos naquele momento. Quando fecha os olhos, o mundo desaparece.
E quando volta, é outro.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Re - gres - são

“Volta, retrocesso. O mesmo que regresso; recuo; diminuição (...)”

Morro de medo de regredir – até por pensar, em parte, no próprio medo de regredir como uma regressão.

Antes fosse retroceder (ao invés de regredir). Retroceder tem todo um tom elegante, e definitivamente mais delicado, do que regredir. Só o mais sábio dos sábios tem a coragem de submeter-se ao retrocesso. Coragem? Sim, isso mesmo. Ao contrário da covardia demandada de quem regride, o ato de retroceder exige coragem.

Infelizmente, entretanto, não é esse o meu caso. O que me assola é tão meramente um medo. Um não. Vários, aliás. Tenho medo de tudo, e tão grandes de travar a língua e fazer tremer os dedos. Tenho medo de ser covarde, de fazer mal a alguém, de ferir. Tenho medo de voltar a ser criança e tenho medo de ser adulta. Medo de falar em público, de olhar nos olhos de alguém e revelar mais do que gostaria. Mas – principalmente – tenho, desde sempre, um medo aterrador de encontrar uma barata no meu quarto.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Meu jeito de ver o mundo




O jeito de ver o mundo de uma pessoa que só sabe desenhar figuras geométricas tridimensionais.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

"nem o prego aguenta mais o peso desse relógio"

Sonhei que te perdia
- e perdia mais a mim -
em um caminho onde se corria
sem nunca chegar ao fim

Onde ficou, no meu
caminho, seu sonho,
sua ilusão?

Onde encontro, no seu
destino, meu corpo,
meu coração?

Se dependo do teu ar,
de teu sangue, Paixão,
como vivo a te perder?
Como pode ir sem mim?
Como faz para vivermos assim?
Sozinho, sim.
Cansado assim.

domingo, 3 de abril de 2011

(Às vezes) Sinto falta


Não necessariamente uma irmã ou um irmão, não necessariamente um pai ou uma mãe, não necessariamente um amigo ou amiga, não necessariamente um namorado ou uma namorada. Sinto falta de alguém que, por mim, “dê a cara à tapa” quando nem eu mesma der. Sinto falta de entendimento, que alguém me entenda quando nem eu mesma o faço. Sinto falta de percepção, alguém que perceba quando eu estou mal, mesmo que eu faça de tudo para parecer bem. Sinto falta de alguém que me dê umas ‘sacudidelas’ e me obrigue a ficar bem. Aliás, mais do que tudo, sinto falta de estar bem, bem mesmo, e não aquele “bem” que você responde automaticamente quando uma pessoa lhe pergunta como você está.
(Às vezes) Sinto falta de mim mesma.

domingo, 27 de março de 2011

sobre refantasiar

Refantasiar é criar uma nova capa de cores sobre a velha fantasia que já cobre a sempre mesma realidade. Não se vêem as coisas como elas são, então porque temos que aceitar ver como os outro vêem? Ah, não! Quero meus brilhos e minhas lantejoulas para formar a minha máscara pro mundo. Quero criar um desfile numa noite de carnaval, quero ir pra rua e fingir que finjo que sou. Sou o que? É o que quero descobrir. Quero costurar minha fantasia de fantasia de mim para depois tirar todos os panos.

E daí que são dezessete anos e só? Se já amo, sonho, vivo, sei que posso criar. Então escrevo, pois é só assim que posso, meus dedos só sabem falar assim. Gosto de beleza e de desilusão, da bela desilusão de querer. Gosto de gente, de diferença, de milagre e de dor. Gosto até de fingir gostar, de fingir amar, de segredo. Então refantasio. Refantasiemos!

Laura Frazão

--*--

Refantasio porque acredito que a realidade nos prende em demasia, que corta nossas asas sem piedade e retarda-nos a capacidade de compreender as coisas mais simples.
Sonho, sim, com um dia poder voar e adoraria ter um príncipe encantado. Tenho dezessete anos, já sou adulta e, ao mesmo tempo, uma eterna criança. Vivo de fantasiar e desfantasiar aquilo que sou ou, mais ainda, aquilo que gostaria de ser, o que gostaria que fosse (mas não é).
Sonho, crio e replico porque não me contento com “pouco ou quase nada”. Exijo mais da vida do que ela de fato pode me dar, extinguem-se todas as suas possibilidades e ainda anseio por mais.
Sou cretina com ela, não sinto dó das deficiências da vida, e por isso refantasio. E, por isso, tenho que refansiar.

Tamara Martins