domingo, 19 de junho de 2011

Você não é a mulher dos meus sonhos

Posso sentir os calos de seus dedos quando desliza a mão sobre a minha pele nua. Posso sentir o salgado de sua língua na minha, ver seu cabelo fora do lugar quando acorda pela manhã. Conheço seus humores e as incostantes mudanças nele. Tenho vontade de mandar-lhe ao inferno quando me interrompe um jogo. Seus horários não batem com os meus. Acho que te conheço bem demais, você conhece a mim melhor do que eu jamais conheci. Você não me entende, eu também desisti de te entender. Você é vegetariana, eu adoro carne. Você quer ter filhos, eu gosto de chegar tarde e fumar cigarro na sala. Eu gosto de ficar sozinho, de vez em quando, preciso ter uma sala só pra mim; você gosta de reuniões ruidosas de família.
Você não é a mulher dos meus sonhos. Acho que ela nem existe.
Você não é a mulher dos meus sonhos, mas é quem chega o mais perto disso.

"(...) Afastei-me,

ignorando todos os protestos e, mesmo com o coração saltando do peito, caminhei até a porta e saí. Não olhei para trás ou esperei que a abrisse para mim. Estava feito: nunca mais voltaria.

Segui andando em direção à minha casa, à nova vida que aguardava por mim... Não tive preocupação de ser vista ou qualquer outra coisa. Ia me casar afinal, tornar-me uma “moça de respeito” e com muita, mas muita, sorte conseguiria atenuar o vazio, no qual, agora, consistir-se-ia minha existência.

Assim que entrei, mamãe veio ao meu encontro, reclamando do atraso imprudente.

- Alfred está na sala à sua espera, apresse-se, troque de roupa e vá ter com ele – sussurrou

Subi até meu quarto, obediente tal qual nunca fora, e troquei de roupa. Desci, como mandara mamãe. Alfred estava lá. Impaciente, andava nervoso, de um lado para o outro, desgastando a sola de seu caro sapato de couro. Apenas parou ao notar minha presença.

Veio até mim, tomando-me a mão e me questionando. Há tão pouco havíamos confirmado o casório e aquele homem já se considerava meu dono. Mal sabia ele que meu coração já fora domesticado.

Dei uma desculpa esfarrapada sobre estar na modista e seu rosto se iluminou, provavelmente pensando na renda branca de meu vestido de casamento. Amava-me tanto, o coitado, que até sentia ânsia de correspondê-lo. (...)"

sábado, 11 de junho de 2011

"Observava seu rosto,

sem entender nada ou, melhor, desejando não compreender. Era apenas mais um daqueles momentos nos quais se via insensível. Nada lhe trazia reação ou, pelo menos, a reação que deveria lhe trazer. Virou-se, mais um espelho... Não. Alguém a observava. Virou-se, continuavam ali. Eram olhos. Olhos dele, olhando nos olhos dela... Em verdade, ele sentia algo, podia dizer pela expressão angustiada. Não eram um só, como pensara. Afinal, nada era eterno. Foram inseparáveis, de fato, durante um bom tempo. Doía, então. Doía perceber que as coisas não eram mais tão perfeitas. Mas doía nele, não nela. Ela não podia sentir, não queria e nem conseguia.
Eram corpos separados, unidos por acasos, os quais provavelmente serviriam para separá-los mais tarde – sempre tivera essa certeza. Nada dela, nenhuma reação. Sua face estava pálida e apenas encarava-o, tentando adivinhar o que deveria fazer, tentando escolher entre a resposta mais honesta ou a mais apropriada àquele tipo de declaração... “Eu te amo”, ele dissera. “Eu te amo”, ele repetira.
Mas nada dela."

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Epinefrina

“Os olhos fecharam, deliciando-se com seu ritmo cardíaco descompassado. Era como se uma bola gigantesca de euforia houvesse explodido dentro dela e agora lutasse para exalar através de seu corpo e fazê-la pular (ou quem sabe, até voar). O sentimento lhe era tão novo, tão deliciosamente inquietante, que não conseguia evitar sorrir (e permanecer fazendo-o).

A verdade era que desconhecia a existência de sentires tão intensos e do que poderiam vir a acarretar. Não eram sensações ruins. Não, de forma alguma ruins. Completamente viciantes e contraditórias, talvez. Inspiravam-lhe medo, ao mesmo tempo em que preenchiam-na com a coragem e com a teimosia necessárias para vencê-lo. Faziam-na sentir-se tão pequena e tão grande, em velocidades e momentos tão variados, que impediam-na de julgar quaisquer coisas com a clareza habitual.

Parecia responder como que por estímulos involuntários, como se seu corpo não lhe pertencesse. Aliás, de fato, acabara de conhecê-lo por completo.”